Mesmo com o descaso dos políticos e com a falta de consciência da maioria dos habitantes, Cataguases resiste como uma cidade que mais parece uma grande galeria de arte. Linda, Incompreendida, Desvalorizada, Fantástica, Curiosa, Impressionante...

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Processo de desacralização da sociedade em Cataguases

Cataguases surgiu na Zona da Mata Mineira, em 1828, através de uma campanha do Império em ocupar os territórios ainda não povoados em Minas Gerais. Guido Marlière recebe um terreno do alferes Henrique Azevedo para a ereção de uma capela dedicada à Santa Rita de Cássia e um povoado. Primeiro lugarejo da região, hoje está situada entre Leopoldina, que é a sede da Diocese, Ubá e Miraí. Assim como muitas cidades o que a sustentava era a ferrovia. Suas casas antigas, sua praça principal construída sobre um cemitério indígena, abrigava a antiga matriz de Santa Rita de Cássia.
O cuidado com a saúde, registros de nascimentos, casamentos e óbitos, assim como os enterros, eram de responsabilidade da Igreja, nessa época a cidade se chamava “Santa Rita do Meia Pataca”.
O ensino era de responsabilidade do Colégio Nossa Senhora do Carmo. Um ensino baseado na religião, dava aos principais filhos da cidade as instruções católicas juntamente com um estudo secular.
Em 1877 o arraial passa a se chamar Vila de Cataguases, e se torna o ponto de embarque e de exportação do café produzido na região mantendo vinculo comercial e social intenso com Rio de Janeiro, a capital do país, tudo isso graças à estrada de ferro Leopoldina Railway Company.
Com o passar do tempo, a cidade foi transformando sua paisagem, alguns homens com novos conceitos de arte e arquitetura tomavam conta da cidade, expondo suas idéias pelas ruas: a revista “Verde”, primeira do Brasil, os festivais de música, poesia e contos, as obras de Cândido Portinari e Oscar Niemeyer, o apoio dado à “Semana de Arte Moderna”, os filmes de Humberto Mauro e muitos outros fatos formaram na cidade uma nova sociedade, abrindo novos horizontes e inaugurando uma sociedade moderna.
Cataguases foi uma sociedade sacralizada, na qual a Igreja era o centro da vida da cidade, mas se viu convocada a dar espaço a uma nova organização da sociedade. Uma observação importante que nos ajuda a entender o comportamento das pessoas deste tempo pode ser feita através da análise das praças que a cidade construiu.
A Praça Santa Rita, que já não possuía mais o poder de tempos anteriores, onde os acontecimentos importantes da cidade se davam ao seu redor, passou a dividir seu espaço com uma nova praça, a “Praça Rui Barbosa”.

Diferenças:
Praça Santa Rita X Praça Rui Barbosa
Dedicada a uma Santa da Igreja Católica, chamada pelos fiéis de padroeira das causas impossíveis.
Dedicada a um político, jurisconsultor e ilustre escritor.
Rodeada pela Igreja Matriz, Colégio das carmelitas, Capela Nossa Senhora do Carmo, Seminário Propedêutico Santa Rita, Prefeitura e Câmara Municipais, Educandário Dom Silvério, Capela do Santíssimo Sacramento e Casa Paroquial.
Rodeada por Cine-Theatro Edgar, Cine-Teatro da Companhia Força e Luz Cataguases-Leopoldina, Lojas Comerciais, Loja Maçônica, Bancos, Biblioteca.
Principal Monumento: Igreja em estilo neogótico.
Principal Monumento: Monumento à Banda.
Principais acontecimentos: Missas, Novenas, Procissões, Festa da Padroeira, Parada de Sete de Setembro.
Principais acontecimentos: Cinema, Teatro, Música ao vivo, Apresentações de Bandas.
Estilo: Colonial, muito arborizada com grandes jardins e passeios entre eles. Bancos retos.
Estilo: Modernista, calçada em pequenas pedras, bancos ondulados, amplo espaço central, poucas árvores ao redor e minúsculos jardins.

A modernidade chega à cidade, a revista “Verde” já havia inaugurado uma nova época, os filmes gravados na cidade faziam dela um lugar especial. Humberto Mauro, Pedro Comello e Eva Nill, tanto na tela como na vida real davam a impressão de que o centro da cultura era Cataguases e que toda novidade aconteceria ali em primeiro lugar.
As charretes continuavam encostadas ao lado da Estação Ferroviária, mas os prédios agora eram feitos por Niemeyer, Carlos Leão, Aldary Toledo, Francisco Bolonha e outros arquitetos que representavam a vanguarda da arquitetura brasileira naquele momento. Junto aos arquitetos os artistas plásticos, paisagistas e design de móveis, Portinari, Djanira, Emeric Marcier, Anísio Medeiros, Bruno Giorgi, Burle Marx, entre outros.
Essa transformação marcou o abandono da sociedade sacralizada e a construção de uma sociedade secular moderna.
A Igreja, como em muitos outros lugares se posicionou contra uma dessacralização da sociedade, mas acompanhou o crescimento artístico e arquitetônico da cidade. Os católicos que estavam à frente da cidade e envolvidos com o movimento modernista, também influenciados pelos ideais dos padres operários que estavam em Cataguases nesse período, construíram um novo rosto para o lugar e com ele uma nova forma de ser cidadão.
A matriz de Santa Rita de Cássia foi demolida e no lugar da igreja neogótica foi construída uma imensa igreja, tendo como arquiteto Edgar Guimarães do Valle, lembrando o formato de um avião e torre em forma de foguete, uma homenagem ao fim da 2ª Guerra Mundial. Destaca-se pela ousadia das formas curvas conjugadas com uso do concreto armado, com traços muito diferentes do que se esperava para uma igreja da época. Em sua praça foi colocado um grande chafariz de luz, som e cor, programado com evoluções que formavam um belo espetáculo. Junto com a Matriz de Santa Rita, surgem duas novas paróquias, a Paróquia de Nossa Senhora do Rosário e a Paróquia de São José Operário, ambas acompanhando o estilo predominante na cidade.
Na edificação da igreja de Nossa Senhora do Rosário, percebe-se uma preocupação dos padres em acompanhar o crescimento da cidade, segundo nos mostra o livro de tombos datado de 1950: “...impossível, é claro pensar-se na construção de uma Matriz definitiva... O serviço paroquial ressentiu-se inicialmente, da falta de ambiente local para a realização de atos paroquiais..., ...as duas paróquias adotaram um sistema comunitário para atender o povo..., ...mesmo os saldos das festas são divididos entre as paróquias...”. Assim, erigiram uma nova igreja, com projeto arquitetônico de Aldary Henriques e Elizabete Alves Kropf Correia, apresenta forma retangular, com torre vazada e três painéis frontais representando os “Mistérios que honram Maria”. Ainda em seu interior, no batistério, encontra-se um painel da artista plástica Nanzita Salgado, que representa um trecho do Evangelho de São Marcos.
A terceira paróquia a ser criada na cidade foi a de São José Operário, que seguiu o estilo arquitetônico das grandes fábricas que a circundavam. A influência francesa dos padres Assuncionistas e a região da cidade onde se localizavam as indústrias ficaram refletidas no prédio da igreja.
O interior das igrejas foi decorado com cenas da bíblia, e a matriz de Santa Rita, ganhou um belo painel frontal de azulejos, denominado “A Vida de Santa Rita”, assinado pela artista Djanira. Seu jardim ganhou uma estátua em tamanho natural de sua padroeira e teve gravada em suas paredes internas a via Sacra, a novidade nessas pinturas é que os personagens bíblicos, em sua maioria, estampam sorrisos em suas faces e são pintados em tons alegres e vibrantes, rosa, roxo, amarelo, verde e vermelho, causando espanto nos fiéis mais antigos, que viam a partir daquele momento uma nova fase dentro de seus templos.
A Igreja Católica em Cataguases, passou por esse processo de mudança, que escandalizou alguns fiéis. Na época não era aceitável que uma igreja não tivesse “cara” de igreja.
O Movimento Modernista contribuiu de forma positiva para o crescimento da cidade, e uma das hipóteses prováveis de a Igreja ter aceitado essa mudança é que os principais católicos da sociedade estavam envolvidos com o modernismo, sendo assim, seria quase impossível não trazer para dentro de seus templos a arte e a arquitetura predominante na cidade na época.
Outra hipótese é a de que a Igreja Católica para acompanhar o crescimento de Cataguases, e não perder seus fiéis, teve que abrir suas portas para o novo jeito de pensar que a cidade estava vivendo.

Guido Marlière: Coronel francês à serviço do Império do Brasil. Comandante das Divisões Militares do Rio Doce, diretor geral dos índios e inspetor da estrada de Minas a Campos do Goitacazes.
Rio Meia Pataca: Em 1841, foi encontrada meia pataca de ouro em um dos rios que corta a cidade (pois a cidade de Cataguases é uma bacia hidrográfica). Juntou-se o nome meia pataca com o da padroeira Santa Rita de Cássia.
Leopoldina Railway Company: Empreendimento com capital inglês que trouxe uma fase de grande desenvolvimento sócio- econômico local.


ALONSO, Paulo Henrique. Matriz de Santa Rita de Cássia. In: _______. Arquitetura Modernista- Cataguases- guia do patrimônio cultural. Cataguases: Rona, 2009, p. 7-9; 36-39.


SILVA, Adalberto Prado. Novo dicionário brasileiro ilustrado. 5. ed. Vol IV. São Paulo: Melhoramentos, 1969.


LIVRO DE TOMBOS N° 01 - PARÓQUIA NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO, Cataguases, 1950.


AZZI, Riolando. A cristandade colonial: mito e ideologia. Petrópolis: Vozes, 1987.

2 comentários:

  1. Ronan, sua iniciativa é muito interessante, alem de informativa e artística. Parabéns! Como cataguasense concordo com a divulgacao dos encantos desta terra! Sucesso.

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  2. Oi meu lindo obrigada por seu carinho ando meio dodói por isso não passei por aqui antes, te deixo um beijo.

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